Carta de Delfim Santos a Hermann Hesse – 1948

 

Original no Hesse-Archiv com o número Ms L 83 do 

Schweizerisches Literaturarchiv

Hallwylstrasse 15

CH-3003 Bern

 

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Letras

 

24.XI.48

 

Mestre!

 

Ouço ainda o eco das suas palavras e sinto ainda a força atraente da sua mágica simpatia. Você tornou-me tudo tão fácil que parecia estar a falar com um velho amigo, sem inibições nem tremores, em clara compreensão e total confiança. Nenhuma distância, uma proximidade imediata, foi o que eu senti. Julgava que o meu respeito por si me tornaria silencioso e que não encontraria palavras, porém você ajudou-me muito. Foi admirável, foi único, uma experiência irrepetível; foi o cumprir-se de um belo sonho.

 

Creio agora compreendê-lo melhor. Os seus livros dizem-me ainda mais do que antes. Tudo se tomou mais claro para mim. E agora nós

– a Manuela de Sousa Marques e eu – vamos rever a tradução e enviá-la ao editor. Eu espero que a nossa tradução seja aqui recebida por muitos apreciadores e que pela sua obra desperte o que é humano nas pessoas e que encontrem o que é sério no lúdico.

 

Os meus respeitosos cumprimentos à Senhora sua Esposa e os melhores votos do seu muito dedicado e muito grato,

 

 

Delfim Santos

 

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Rascunho original desta carta, mantido no espólio de Delfim Santos e traduzido por Manuela de Sousa Marques; publicado em Delfim SANTOS (1998) Obras Completas 4, Correspondência, Lisboa: FCG, 1998, carta n.º 229:

 

 

24 NOV. 48

 

Mestre,

 

Ouço ainda o eco das suas palavras e sinto ainda a força atraente da sua simpatia mágica. Tomou-me tudo tão fácil, Mestre, que parecia estar a falar com um velho amigo, sem inibições nem tremores, em clara compreensão e total confiança. Nenhuma distância, uma proximidade imediata, foi o que eu senti. Julgava que o respeito me faria calar e que não encontraria palavras. E o Mestre ajudou-me tanto que na sua presença não me senti oprimido nem humilhado.

 

Foi admirável, foi único, uma experiência irrepetível; foi o cumprir-se de um belo sonho. E ainda me parece um sonho quando pergunto a mim próprio como é que tive coragem de bater à sua porta. Mas creio agora compreendê-lo melhor. Os seus livros dizem-me ainda mais do que antes. Reli há pouco Betrachtungen e Krieg und Frieden, Dank an Goethe, Eine Bibliothek der Weltliteratur e outras obras suas. Tudo se tomou mais claro para mim. Vejo o Mestre à minha frente, ouço a sua voz, reparo no seu sorriso e sinto que me olha com afeto.

 

E agora a Manuela de Sousa Marques e eu vamos rever a tradução e enviá-la ao editor. Ela compreendeu bem e em profundidade as suas obras e esperamos que a tradução seja aqui recebida por muitos admiradores. Porém o que importa é que pela sua obra desperte o humano no homem, o sério no lúdico, e que a vida seja melhor vivida.

 

Os meus respeitosos cumprimentos para sua Esposa e os melhores votos do seu muito dedicado e grato,

 

Delfim Santos

 

 

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De Delfim Santos sobre Hermann Hesse leia-se:

 

— (1946) Hermann Hesse, Prémio Nobel da Literatura, Diário Popular, Lisboa, 16.11; rep. (2009) Obras Completas 2.º vol., Lisboa: FCG, 89-90; neste texto DS menciona uma anterior tentativa frustrada de visitar H. Hesse em 1942.

— (1952) Prefácio a 'Ele e o Outro' de H. Hesse, Lisboa: Guimarães; rep. (2009) Obras Completas 2.º vol., Lisboa: FCG, 593-595.

M.ª Manuela de Sousa MarqueS PINTO DOS SANTOs

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