MORTE, AMOR E POESIA: O ROMANTISMO EM NOVALIS (1947)
Das Poetische ist das echt absolut Reelle. Je poetischer je wahrer. Dies ist der Kern meiner Philosophie.
Desvenda-nos Novalis (1772–1801) nestas palavras: «o poético é o autêntico real absoluto e quanto mais poético tanto mais verdadeiro» o segredo da sua estranha, jovem e aventurosa conceção do mundo. «É esse o cerne da minha filosofia». Nessas palavras reside o núcleo mais profundamente medular e fecundo para a interpretação da sua personalidade. E a atitude mais funda na compreensão de um poeta deve preocupar-se com a apreensão de um ou mais núcleos que impliquem todas as manifestações do seu pensamento e da sua obra. Não importa explicar: a explicação é eferente e centrífuga. Importa sim a implicação no Grunderlebnis a que tudo na obra se refere, ou seja, valor de que tudo é reflexo e símbolo, até os aparentemente «insignificantes» pormenores. Implicar é, no sentido em que usamos o termo, fazer reverter a esse núcleo. Por isso não tem sentido o desideratum de explicar um poeta, quando o que nos interessa é compreendê-lo. Pois esse alguém que se propõe compreender os poetas, detentor do tão difamado e vexado nome de crítico, é, ou deveria ser, na sua forma mais pura, capaz de 'vedorismo'. Esta doutrina que nos nossos dias poderia ser um bem comum, foi há século e meio uma das convicções mais arreigadas dos jovens românticos alemães. Diversa, porém, e por vezes triste, tem sido a história das conquistas românticas nos diferentes domínios da cultura. Algumas perderam-se, outras esperam ainda rejuvenescer.
A preciosa teoria romântica da crítica organicista foi, dentre [p. 45] as aquisições desse período histórico, uma das que mais longo tempo sofreram de incompreensão. Guardada como fogo sagrado por um ou outro grande poeta da «compreensão poética», ainda não chegou o dia da sua total e plena afirmação. No círculo dos românticos de Iena teve um doutrinário: Friedrich Schlegel. Foi ele quem a proclamou teoricamente e tentou realizá-la na famosa Charakteristik des Wilhelm Meister, o romance de Goethe que os românticos celebrizaram e não se cansaram de admirar e estudar, enaltecendo-o mesmo quando dele discordavam.
Para Novalis, porém, «Kritik der Poesie ist Unding», ou seja, «crítica da Poesia é um disparate». A Poesia não era suscetível de crítica no sentido até então vigente de crítica explicativa e censurante. Para Novalis era uma profanação e uma enormidade temerária aferir a poesia por padrões e submetê-la à jurisdição de cânones, ou «defini-la» em circunscrições lógicas e tradicionalistas. É por via negativa que Novalis em teoria se tenta aproximar da poesia. Poesia não é sequer definível – «Poesie ist indefinissabel». Não é possível fechá-la num conceito exaustivo. Abeira-se da sagrada palavra – Poesia – em tentativas de rodeio, consciente e antecipadamente votadas ao insucesso. A própria dialética tem dificuldade em encontrá-la. Sim, Novalis denomina-a: «offenbarten Gemüt, produktive Individualität» – «revelação do mais íntimo, personalidade produtiva». Mas, se quisermos compreender o sentido profundo e supremo, religioso e poético que ele dá à Poesia, temos de recorrer ao seu pensamento filosófico que é, no fundo, uma grande tentativa de interpretação da Poesia. A filosofia é uma teoria da Poesia, pois esta é toda a verdade. A sua filosofia é poética, e poética é a sua vida, a sua moral, a sua religião, a sua política: Poesia é a essência mais profunda de tudo e do todo.
«Das poetische ist das echt absolut Reelle». São sem dúvida estas palavras as decisivas, a chave única que nos abre o segredo da sua Weltanschauung, a síntese de tudo quanto disse, viveu e escreveu. Arde nele o ideal convicto de poetização do mundo. «Die Welt muss romantisiert werden» – e o paradigma do homem deverá ser o poeta. Aqui pretendemos indicar os aspetos que toma nos vários domínios essa revolucionária Weltanschauung, que é romântica por ter como fundamento e motivação o próprio ato poético. Porém, como se manifesta essa redução [p. 46] a um plano único – o poético – e como, através dessa manifestação, se reconhece o que para Novalis é o ato poético por excelência? Eis o que nos resta deslindar. Já sabemos onde procurar o esclarecimento dos mais relevantes aspetos do seu poeticismo: na conceção filosófica do homem em relação com o universo e com Deus.
Como todos os românticos de Iena, Novalis conheceu, antes do neoplatonismo de Hemsterhuys e do misticismo de Böhme, o idealismo de Fichte. Em Fichte encontrou uma das suas ideias basilares: para o autor da Wissenschaftslehre, a «intelektuale Anschauung» – «intuição intelectual» descobre no homem um «eu» absoluto, transcendental, que se manifesta em antítese ao não-eu. O eu especificamente íntimo e humano é o princípio espiritual consciente, e o não-eu exterior, apreendido empiricamente, é a natureza que os sentidos captam para o homem. Porém, eu e natureza são idênticos, como o reconhece o «eu» que na intelektuale Anschauung se eleva em esforço de consciencialização contemplativa, no anseio de dar ao homem «o eu do seu eu», como Novalis disse em tão bela fórmula.
A mesma alma anima a natureza e o homem. Este momento unitivo era já um momento místico: um momento de imediata realização dessa unidade. E também o panteísta vê em tudo, na natureza e nos homens, a presença una da divindade. Novalis, se tem uma vivência quase mística, está contudo em perspetiva especial que não é nem rigorosamente panteísta, nem mesmo idêntica à que Schelling fundamenta na filosofia da identidade. Aqui a identidade é factual, é perfeita; o espírito, o Geist, está deveras omnipresente. Para Novalis, a identidade – será: é potencial e latente. Como Nicolai Hartmann observa com penetrante comentário em Die Philosophie des deutschen Idealismus, a sua conceção é, pelo aspeto ativista, mais próxima de Fichte do que de Schelling. O homem terá de realizar a identificação por um ato, e o ato é o valor supremo para Novalis. A vasta obra da sua curta vida testemunha a infatigável atividade deste jovem, de cuja impressionante efervescência interior o amigo Fr. Schlegel encontrava manifestação sintomática no próprio ritmo do falar. Diz em uma carta: «falava três vezes mais e três vezes mais depressa do que nós».
[p. 47] A interpenetração do espírito e da natureza é o presente de um ato. Mas qual a característica e o índice desse ato? Como consegue o homem realizar a união da alma com o mundo, atingir o Indifferenzpunkt do polo objetivo e subjetivo, como diziam metaforicamente os românticos nos seus primeiros entusiasmos pela linguagem da nova física (Galvani, Ritter, etc.); como superar a antítese do Eu e da Natureza, fundir a dicotomia interior? O homem vulgar, o filisteu, desconhece-a e também ignora o íntimo pertencer-se de homem e natureza, e a união primitiva e talvez futura da família universal da pedra, da planta, do animal e do homem. Esse desconhece o universo e para ele o mundo bifurca-se em natureza, mundo exterior que pelos sentidos é levado ao homem, e mundo interior, para ele especificamente humano – o racional e lógico – do Verstand e da Vernunft. Esse homem burguês é um estranho e um intruso no mundo: entre animais, plantas, pedras e ele não há senão uma relação utilitarista. Utiliza-os como instrumentos para servir os seus fins. Ou então, quando intelectual, a devoção mediata à natureza não é gratuita e pura: preocupa-se com arrumá-la segundo leis; ou seja, subalterniza-a ainda, pretendendo reduzi-la ao formato do seu intelecto. No fundo está de relações cortadas com ela. Não a trata por tu. Não a dialoga. E, de entre todos os homens que a têm tentado compreender e amar, um só há, privilegiado, que é o seu íntimo: o poeta. «Nur die Dichter haben es gefühlt was die Natur den Menschen sein kann...», isto é, «só os poetas sentiram o que a natureza pode ser para os homens». Ao poeta tudo se mostra no que realmente é; só ele está na posse da verdade e do universal concreto que ela exprime. E é por isso que o poeta é a mais pura revelação de humanidade. É o ideal do homem futuro legado através das gerações pelo homem original, primigénio. O poeta é, pois, no sentido mais fundo da palavra, o arqui-homem. Novalis não se cansa de proclamar a sua suprema dignidade. Considera-o o médico transcendental, porque só ele pode purificar e iluminar o homem, restituindo-o à antiga pureza e inocência. Chama-lhe ainda vidente e profeta. Identifica-o com o sacerdote. «Dichter und Priester waren im Anfang eins» – pois nele fala a voz de Deus com o verbo de amor que criou a natureza e o universo. E é [p. 48] também de todos os homens o mais religioso e o mais filósofo. Enfim, é um deus recriador do universo. O poeta cria de novo o mundo para os homens e essa criação é obra de conhecimento. Como diz Cysarz, em frase significativa e profunda sobre os românticos: a sua ficção não é «Konkurrenz eines Erschaffenen, sondern Transparenz eines Erhaltenen», ou seja, «não se trata de concorrência criadora, mas de transparecimento do existente».
No entanto, segundo Novalis, todo o artista é já parcialmente um poeta: o pintor e o músico são quase-génios. Só o poeta, porém, é e deverá ser cada vez em mais vastos círculos o génio total. Mas, perguntar-se-á: qual é o distintivo específico dessa genialidade? São ainda as formulações filosóficas de Novalis que nos podem dar as mais explícitas respostas. A primeira é a seguinte: o suicídio. Não nos deixemos, porém, embaraçar, pela estranheza e originalidade de expressão que os românticos afeiçoam, muitas vezes paradoxal. Novalis não se refere aqui à morte no sentido corrente de abandono da vida natural; não é uma apologia wertheriana nem o conselho aos poetas de porem termo à vida para alcançar a perfeição. Suicídio, na sua ousada terminologia, significa simplesmente ascese. Não houve, porém, um capricho verbal no uso deste termo designativo da situação suprema que é a morte. A sua escolha audaciosa reflete a vivência, ou melhor, uma das vivências fundamentais que determinou decisivamente a orientação do seu pensamento e da sua existência.
Desde que a noiva lhe morreu em 1797, tendo ele 25 anos, a morte tornou-se, após esse profundo abalo emotivo, uma ideia obsidiante e fecunda. Primeiramente como aspiração de abandono da vida, vai-se pouco a pouco alterando até afirmar-se simultaneamente com a vida; mais ainda: enriquece-se de tal modo que passa a ser condição da própria vida, símbolo da purificação e redenção pelo espírito. Novalis neste processo atinge o significado da mitologia cristã, valorizando-a na sua poesia. É necessário, todavia, tornar bem claro que este ascetismo, esta alusão à morte da carne para manifestação pura do espírito não só não tem, como é de prever, relação alguma com o princípio católico da separação post-mortem da alma e do corpo, como também não implica de qualquer forma [p. 49] a dissociação de espírito e matéria seguida de aniquilamento desta. Não. Novalis, como nenhum outro romântico, jamais pensou em separar... Todo o esforço destes homens é unitivo e amoroso. Novalis pensa em fundir mais intimamente a alma e o corpo, pensa em interpenetrá-los mais, em repassar o corpo de espírito ativo. O que ele entende por morte é a morte da dissociação, é o aniquilar da aparente condição «de corpo como oposto a espírito». Na verdade é uma revalorização da «empiria».
E tudo isto é processo a realizar na existência no mundo pelo homem aspirante ao ideal supremo da Bildung. E este será o primeiro passo nessa via formativa; ou, mais rigorosamente, o segundo, visto que o primeiro é o reconhecimento da necessidade de dar esse passo. O primeiro é, pois, de autodesvendamento e meramente reflexivo; o segundo é ativo e decisivo. Primeiro e segundo chamam-lhes os nossos tristes preconceitos didáticos, mas para Novalis ambos são um e único processo, simultâneos, interdependentes e representativos dos dois caminhos que se oferecem ao homem, e que são afinal as duas extremidades da mesma via: «Weg nach lnnen und Weg nach Aussen». Atentando bem, notamos que ambos são direções polares ou polos de um e mesmo eixo. Essa uma e mesma estrada deverá ser percorrida em ambos os sentidos. Não é indiferente sair de si para perfazer as jornadas da experiência ou encerrar-se no seu íntimo, desconhecendo-a e à natureza. O primeiro trajeto se for feito sem o segundo é penoso, lento e tortuoso. Se as jornadas interiores viessem em auxílio do viandante, desapareceriam essas asperezas e rodeios e o longo caminho seria feito de um salto. Assim no-lo revelam as palavras de Heinrich, herói do seu romance. Nenhum vale por si só. Valem na mutualidade da existência. Esta, que é uma das ideias matrizes de Heinrich von Ofterdingen, é bem significativa para a conceção do mundo e da vida dos românticos. Nunca um romântico se encontra perante uma opção unilateral e dilemática. Anseia por superar antíteses, conciliar opostos, enlaçar contrastes para atingir o universal em processo dialético que não sobreleva um aspeto em detrimento de outro, porque considera e respeita cada um dos termos com vantagem para ambos. Para Novalis, intimizar-se é encontrar-se a si próprio nos objetos e na natu-[p. 50]reza. Todo aquele que no templo sagrado da Natureza se abeira da deusa para lhe levantar o véu, vê-se com espanto a si próprio. «Er sah – Wunder des Wunders – sich Selbst» (Distichen 4, 1777). Intimização é descoberta de si e do universo em si próprio, porque o homem é o ressoante microcosmos do macrocosmos. E intimizar-se é desvendar-se integralmente: é iluminação interior pelo espírito, é intensificação do sentir, multiplicação e fecundação do latente.
Novalis fala-nos de gestações interiores. É, no fundo, um ideal de lucidez. Também nos fala muito de «acordada vigília» – Wachsamkeit. E confessa a Caroline Schlegel, na carta onde comunica as impressões da leitura de Lucinde, que secretamente desejaria estar sempre acordado. Estar acordado é estar permeado pelo espírito e comandar todos os órgãos potencializando o seu sentir. Só assim o homem sente a omnipresença do espírito no universo, e nesse abraço que o confunde com a natureza encontra a alma. «Die Seele ist da wo Gemüt und Welt sich berühren».
Vimos já que só o poeta, génio total, consegue na vibração dos seus sentidos multiplicados e ativos a lucidez do espírito que dilui todas as aparentes distinções na consciência profunda da unidade. Indicamos também que já no pintor e no músico, génios parciais, se realiza essa diferenciação genial do homem vulgar que é o primeiro estágio do despertar do espírito pelos sentidos: – no pintor a visão, no músico a audição, possuem tal grau de luminosa lucidez que atuam sem solicitações exteriores e fazem confluir em sensação única a perceção recebida do exterior e o ato de espírito que a anima e cria. O músico ouve no fluir das águas uma melodia, e é musical para ele o rumorejar do arvoredo. Não ouve o correr dos regatos, ouve sim a canção do espírito que neles canta e que se irmana com a canção que dentro de si mora, porque o espírito é sempre um e o mesmo, gemendo e jubilando nas ramagens e nos homens. No músico, pois, há já um sentido cuja intensidade espiritual confraterniza com os sons da natureza. Ao contrário do comum dos homens, ouve de dentro para fora e não de fora para dentro, como também no pintor o olhar é interior. Mas nem um nem outro atingiram a perfeição total do poeta: neste todos os sentidos conhecidos e desconhecidos – (há muitos, segundo Nova-[p. 51]lis, que o homem ainda não fez desabrochar em si) – estão vibráteis, lúcidos, potencializados em contínua recriação.
O próprio poeta, porém, esse segundo deus e segundo criador, não se ergueu ainda, todavia, ao apogeu da sua vocação humana. Ainda não é mago. Sim, o poeta é o senhor da fantasia, já é mais completo, sensível e ativo do que os outros artistas e o bom burguês. A fantasia dá-lhe o pressentimento de eternidade, da ilusão das categorias racionais de espaço e de tempo, da perceção sensorial e até da própria morte; já lhe permite adivinhar o reino absoluto do Amor, onde tudo é caos em gestação de nova ordem, de uma ordem diferente daquela que o mundo apresenta ao homem reduzido a intelecto e a sentidos. Sim, o poeta é já de certo modo um mago, mas ainda não subiu todos os degraus; ainda, citando as palavras de Novalis, brinca com a fantasia como uma criança brinca com a varinha de condão do pai, grande feiticeiro. Ainda não alcançou o domínio e força de alma necessários para não só na obra poética representar objetivamente o advento do novo reino do ἔρως universal, como também na própria existência realizar essa transmutação total de si e da sua relação com a natureza. Logo que alcance esse almejado e exequível ideal, poderá morrer para a existência terrena e poder-se-á metamorfosear em metempsicoses sucessivas. Será então o verdadeiro Magier, e terá escalado o último degrau que separa o homem dos deuses. É este, de resto, o alvo que se propõe fazer atingir ao protagonista do seu célebre e inacabado romance. O caminho para a purificação e redenção pelo espírito, o caminho que após guerras, aventuras, encontros e longas viagens o leva sempre em perseguição da simbólica flor azul, à morte e à transmutação em pedra, em árvore sonora e em carneiro (Widder) de ouro. É um itinerário de amor e pelo amor. Poesia é realização do amor. Amor é a via láctea de regresso à unidade radical do espírito. É um abrir-se do mundo futuro e passado. É o acesso ao reino da harmonia, quando o tempo ainda não era. E é simultaneamente a revelação da coexistência desse reino com o reino do tempo e das formas diferenciadas na consciência do homem. Para melhor compreendermos o sentido que Amor tem para Novalis devemos recordar que na sua existência soube o que era o amor de dádiva, quase não [p. 52] mútuo, amor em que percorreu ele todo o caminho, amor que não nasceu da comunhão, mas amor que foi sua obra. E tanto assim que esse amor perdurou ativo após a morte do ser amado, e ainda mais cintilante e forte, porque foi poesia 'a solo', alimentado pelo seu próprio fogo. Uma qualidade de amor bem próxima do amor sófico – (e por uma coincidência que ele destinalmente interpretou, tinha a sua noiva o nome de Sofia) – bem próximo também do eros universal: amor que contém pergunta e resposta, origem e fim, sujeito e objeto.
Assim se compreende que o salto da vivência amorosa profunda e decisiva fosse fácil para a decisiva e funda compreensão do amor que reúne no seio universal o homem e a natureza. Já o comparamos à via do regresso ao Todo. Nessa via só a poesia, a fábula e a fantasia transitam. Poesia é pois irmã do amor. Neste parentesco apresenta-a Novalis no conto fantástico e mitológico narrado no seu romance pelo velho poeta Klingsohr. Poesia aparece-nos aí encarnada na deliciosa figura da pequenina Fabel. Esta pelas suas artes salva homens e deuses, a terra, o céu e o próprio Amor, seu irmão. Poesia redentora. E quando o homem for o homem que Novalis pensa que poderá vir a ser, será Fabel a doce e amável déspota, e reunirá sob o seu cetro a ciência, a moral, a religião e a política. Insuflará a todos a sua alma ardente: a ciência humilhar-se-á e demitir-se-á da regência, ciente da sua importância mas também dos seus limites; na moral não haverá códigos nem imperativos heteronómicos. O ato moral não será ditado por cânones que contrariem o impulso decisivo interior e individual. Será então moral sempre a imediata decisão. Só ela equivale a uma canção. Diz Novalis: «eine überraschende Selbstheit ist zwischen einem wahrhaften Liede und einer edlen Handlung». Todo o ato do poeta, do homem que se criou em constantes gestações interiores, é, ipso facto, moral. Moral e religioso. E assim as três palavras mágicas que encerram o segredo da existência ideal do homem são para Novalis: Morte, Amor e Poesia.
Manuela de Sousa Marques
MARQUES, Manuela de Sousa (1947) O romantismo em Novalis, Revista da Faculdade de Letras, Lisboa, S. 2, t. 13, n.º 2, 44-52.
Revisto pela Autora em 2008.
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Outros estudos em português sobre Novalis:
Vicente Ferreira da SILVA (1948) Novalis, Ensaios Filosóficos, São Paulo: Instituto Progresso Editorial.
Natália FADEL (2008) Natureza e Linguagem em Os Discípulos em Saïs, de Novalis.
____________ (2009) Novalis e 'Os Discípulos em Saïs': a linguagem em vida; a obra em fragmento.